Prevenção de quedas: desafios para profissionais e para pessoas idosas

Exercícios e autopercepção das limitações são mecanismos que contribuem
para a prevenção de quedas.

Na segunda live comemorativa dos 10 anos da Longevida Consultoria, realizada em 21 de junho, o tema foi Prevenção de quedas: desafios para profissionais e para pessoas idosas. Fundadora e diretora da empresa e com 34 anos de atuação na área do envelhecimento, Sandra Regina Gomes lembrou, na apresentação do evento, que a Longevida tem como missão valorizar a pessoa idosa e promover a sua participação cidadã na sociedade, por intermédio de uma equipe multiprofissional. “E, ao longo destes 10 anos, tivemos uma atuação muito expressiva, principalmente no tema que trataremos hoje, prevenção de quedas”, ressaltou, acrescentando que os tombos também são episódios de violência, em razão das consequências que provocam. “É um tema de saúde pública.” 

Sandra voltou a manifestar, como havia feito na primeira live comemorativa dos 10 anos da Longevida, dia 14, repúdio à proposta de considerar a velhice uma doença. “A despeito das comemorações dos 10 anos da Longevida, gostaria de expressar que a Longevida tem uma posição de estranhamento em relação à Organização Mundial de Saúde, quando ela coloca que o CID, que é Classificação Internacional de Doenças, CID 11, classificará a velhice como doença a partir de 2022”, disse. 

Segundo Sandra, a velhice é uma etapa da nossa existência e jamais poderá ser considerada uma doença. “A doença não é uma prerrogativa do envelhecimento. Os jovens adoecem, os adultos adoecem… então, por que essa conotação de que velhice é doença? O nosso único destino, se não morrermos antes, é envelhecer. E vamos envelhecer cuidando sim da nossa qualidade de vida, de nossos relacionamentos, evitando quedas. Os aspectos preventivos garantem um envelhecimento digno, saudável, participativo.” E acrescentou: “Estamos indignados e nos juntamos a um grupo de pessoas que estão dizendo que velhice não é doença”. 


A fundadora da Longevida ainda destacou o compromisso de sempre promover, nas lives, debates acerca de temas que contribuam para o envelhecimento saudável, como a prevenção de quedas. Convidada para a live, Monica Perracini, fisioterapeuta, especialista em gerontologia, professora do programa de mestrado e doutorado de Fisioterapia da Universidade da Cidade de São Paulo e consultora da Organização Mundial de Saúde (OMS), também manifestou indignação a respeito de considerar velhice uma doença. Para ela, trata-se de um erro conceituar a velhice a partir apenas de um aspecto: a saúde. “Mas existem tantos outros aspectos importantes que nos moldam como seres humanos. Então, realmente é um absurdo, um grande retrocesso”, afirmou.

“A OMS tem compartimentos, cada uma das áreas é meio compartimentalizada. A equipe que trabalha no CID não é a mesma que trabalha nos projetos de envelhecimento saudável, mas eu espero que a integração entre as áreas ocorra e consigamos não deixar que isso (considerar a velhice uma doença) não aconteça”, disse. 

Problema de todos. Com relação às quedas, Monica ressaltou que todos estamos sujeitos a elas, embora existam populações com maior risco, como crianças, trabalhadores da construção e idosos. Embora ainda não existam dados a respeito, a professora acredita ser possível que os casos tenham aumentado durante a pandemia. Afinal, os idosos foram os mais aconselhados a se isolar. Ela citou pesquisa mostrando que quase 90% chegaram a ficar fechados em casa, um cenário que ainda não está superado. 

É uma situação que traz consequências ruins, como diminuir muito o nível de atividade física dos idosos. Sem sair de casa, ficaram mais tempo sentados e muitos tiveram perda de funcionalidade nesse período. “Sabemos que bastam poucas semanas de inatividade para que se perca massa muscular, força, que se deteriore o equilíbrio corporal. Possivelmente, ainda vamos ter mais respostas nos próximos meses, mas acredito que tivemos um declínio da funcionalidade das pessoas idosas nesse período”, afirmou.

Ao mesmo tempo, os cuidados com a saúde também diminuíram, pessoas não foram a consultas, interromperam tratamentos, muitos idosos deixaram de tomar remédios, não foram até o posto de saúde buscá-los. “Enfim, houve uma interrupção, e a própria OMS sinalizou, queda da ordem de mais de 70% dos tratamentos no período da pandemia”, disse a professora.

Proteção. No entanto, há como evitar quedas, principalmente se a pessoa se cerca de mecanismos protetores, fica menos sujeita a cair. Fala-se muito do corpo, da saúde, mas há outros mecanismos de proteção que podem ser desenvolvidos. Monica contou que campanhas antigas para conscientizar idosos dos perigos de uma queda mostrando resultados como as consequências ruins de uma fratura, não tiveram o efeito esperado.

“Descobrimos que esse não era o mecanismo adequado, porque o idoso realmente se motiva a fazer prevenção de quedas, quando percebe que tudo o que se faz para prevenir uma queda, também ajuda a ter um envelhecimento ativo e saudável”, contou Monica. 

A primeira coisa para se adotar uma postura de precaução é perceber o próprio risco. “Só consigo me proteger, se eu tenho uma boa percepção de como eu estou. O ideal é se perguntar ‘o que dou conta de fazer?” E responder sinceramente. “Quando alguém tem essa percepção adequada, consegue desencadear mecanismos de proteção.” De acordo com Monica, é importante a pessoa idosa, familiares e profissionais da saúde pensarem a respeito. 

Remédio. A professora destacou que está comprovado que o exercício físico é uma das ferramentas mais poderosas que existem para ajudar a prevenir quedas. Mas não é qualquer exercício. Precisa ser um exercício que explore o equilíbrio corporal, mesclado com atividades funcionais, que também fortaleçam um pouco as pernas. “Que não deem apenas  força, mas potência para essas pernas, subir e descer escada, subir e descer degrau, agachar e trabalhar também o equilíbrio de forma progressiva”, argumentou. Outra coisa: os exercícios precisam ser feitos três vezes por semana. E vale reforçar: o exercício não vai se refletir apenas na prevenção de quedas, mas no envelhecimento ativo e saudável.


O motivo é que nosso corpo vai tendo alterações que, se não tentarmos reverter ou ao menos amenizar, vão se intensificando à medida que os anos vão passando. “Há redução bastante acentuada da capacidade corporal, depois dos 50 anos, para várias funções. E como se consegue reverter? Fazendo exercícios, muitas vezes se forçando a colocar seu tênis de pé, e tentando, com segurança, treinar seu equilíbrio também durante o cotidiano, não esperar o exercício três vezes por semana.”  

Jornalista, gerontologista e criadora do blog Nova Maturidade, Katia Brito lembrou que estudos apontam haver dificuldades que o profissional de saúde enfrenta na hora de implementar ações sobre prevenção de queda. Para Monica, os profissionais da saúde precisam se motivar um pouco mais para poder dar a devida importância à prevenção de quedas.

“Uma pergunta muito simples como ‘você caiu no último ano’ é um marcador de uma queda futura”, disse a professora, ressalvando que talvez os profissionais de saúde não tenham as melhores condições para fazer essa implementação, talvez não estejam atualizados. “Se o profissional pergunta se houve queda, a próxima pergunta é sobre exercício, mas para onde encaminhar? Onde existem programas de prevenção de queda perto da casa do idoso? Onde há profissionais para implantar um programa de prevenção de quedas”, disse. 

precisa tomar várias conduções, se não se sente acolhido naquele local, ele desiste. 

Percepção. Sandra chamou a atenção para o fato de que a autopercepção do idoso a respeito de suas capacidades é um processo. “Não é uma ação apenas, mas um conjunto. Quando você fala da autopercepção, eu estou em uma calçada, que já é um risco, ou percebo que estou um pouco zonzo, ou tomei um remédio e não me senti bem, então não vou sair correndo atrás de um ônibus. Isso tudo é autopercepção, que muitas vezes vai sendo negligenciada”, disse. 

Katia perguntou à professora se é verdade que todo idoso cai. Monica negou e disse que boa parte das pessoas passa a velhice inteira sem experimentar um tombo. “Claro, as pessoas idosas estão mais propensas a cair, principalmente aquelas que têm múltiplas comorbidades, alterações sensoriais importantes, da visão, do sistema vestibular, mas não é uma realidade para todo mundo.”

No entanto, uma queda que resulta em necessidade de atendimento médico indica maior vulnerabilidade, e pessoas nessa situação indicam possivelmente caidores recorrentes. Pessoas com Parkinson e outras doenças têm mais tendência a cair. “O declínio cognitivo, hoje se sabe, é um marcador de quedas futuras.” Nessa situação estão pessoas que não apresentam problemas físicos, mas têm falta de atenção, por exemplo, não conseguem gerenciar muitas atividades simultaneamente e, eventualmente, isso pode contribuir para uma queda. 

“A queda é um marcador de que a pessoa precisa investigar, pode ser um declínio cognitivo que está em curso. Por isso que se diz que, uma queda não pode ser negligenciada, porque pode ser a pontinha de um iceberg, pode haver tanta coisa submersa, que precisa ser melhor investigada.” 

Xênia Rocha, que assistia à live, quis saber se o espaço físico inadequado é fator relevante para quedas. Segundo Monica, deixar o ambiente mais protegido, livre de obstáculos, com melhor iluminação e que seja mais amigável para aquilo que o idoso faz no dia a dia é importante. “Fazer pequenos reparos, tirar obstáculos, às vezes é um degrau mínimo de um ambiente para outro, ou colocar uma barra… tudo isso é capaz de amenizar as quedas neste grupo.” 

A questão do espaço físico urbano, em especial as calçadas, também entrou em pauta. “Isso não foi resolvido, não sei quando a questão da caminhabilidade em nossas calçadas vai ser resolvida por algum governo no Brasil”, disse Monica. “Nossos espaços públicos não estão preparados e nossas calçadas também não. A falta de proteção é grande.”

Sandra chamou a atenção para o fato de que a falta de acessibilidade adequada acaba não garantindo a independência de pessoas idosas ou com deficiência. “Tudo isso é um desafio para o gestor. Eu também já estive muito próxima desse desafio”, contou, ao questionar o motivo de políticas de acessibilidade não terem sido amplamente implementadas, “Uma das possibilidades é que em todas as conferências do idoso, seja em qual instância for, a temática recorrente do ir e vir, de acessibilidade, de prevenção de quedas, esteja sempre presente. E por que é tão difícil (a implantação da acessibilidade)?”, acrescentou Sandra.

Agenda. A professora Monica reforçou que a acessibilidade é qualidade de vida. “Quando se caminha na rua com tranquilidade, se está dando oportunidade às pessoas de encontrar significados para a vida dela dentro de um espaço urbano, encontrar outras pessoas e não depender de outras pessoas para acessar serviços básicos, aonde ir, o que comprar. A mobilidade é realmente importante.” 

Para Sandra, essa questão precisa estar na agenda.  “Não há como evitar. O País está envelhecendo, há pessoas com deficiência que também estão envelhecendo e uma cidade acessível, um espaço acessível, é bom para todo mundo. Isso precisa ir para a pauta”, disse. E reforçou que as quedas são um tipo de violência, assim como os acidentes de carro e os atropelamentos.

”Muitas pessoas não saem de casa porque o ambiente da rua não é acolhedor, ou não saem o quanto gostariam de sair, porque justamente sentem essa violência, como a Sandra fala. Deveríamos ter um pouco de compaixão com essas pessoas, porque são adversidades uma atrás da outra”, afirmou Monica. 

Para a fundadora da Longevida, é preciso multiplicar o alcance dessa temática. “Esta é a prioridade: vamos dar luz à questão da garantia de ir e vir para todas as pessoas. Isso é possível, vamos conseguir. Temos uma Constituição federal que fala sobre isso, temos o Estatuto do Idoso, que zela pelo envelhecimento, pela proteção à pessoa idosa. Isso conversa com direitos humanos”, reforçou Sandra.

“Quero fechar dizendo que qualquer oportunidade é uma oportunidade para conversarmos a respeito de prevenção de quedas, e que qualquer ação, intervenção é importante, no sentido de minimizar o risco e proteger a pessoa o máximo possível. Então, mesmo aquele profissional, que talvez não tenha todas as condições, mesmo nessa situação de tanta dificuldade, ele consegue. Acho que isso tem um poder imenso”, declarou a professora Monica Perracini. 

Claudio Roberto Marques – Jornalista

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