O dia 21 de setembro é o Dia Mundial da Doença de Alzheimer, e o mês é marcado pela campanha Setembro Lilás, realizada para ampliar a conscientização e reduzir o estigma sobre a doença que afeta milhões de pessoas no mundo. Para falar sobre os desafios da doença para os cuidadores familiares e profissionais, a Longevida traz uma entrevista especial com Vera Caovilla, diretora da 50mais Ativo e uma das fundadoras da Associação Brasileira de Alzheimer (ABRAz).
Quais os principais desafios para os cuidadores de pacientes com a doença de Alzheimer?
Sabemos que a doença de Alzheimer não tem o mesmo padrão para todos. Cada paciente reage de forma única e dessa forma, tanto para o cuidador formal como para o informal, o grande desafio é entender como a doença está afetando aquele paciente em especial: ele responde de forma mais tranquila? É agitado? Agressivo? Amoroso?
Quando conseguimos identificar esta relação doença x paciente, precisamos começar a entender melhor a doença como um todo: tratamento medicamentoso e não medicamentoso, quais os profissionais que estão envolvidos no trato de uma pessoa com doença de Alzheimer?
Qual a diferença entre cuidador formal e o informal?
Cuidador informal ou cuidador familiar: normalmente é uma pessoa da família, esposa(o) e/ou filha(o) que não foi preparado para o ato de cuidar de uma pessoa de quem sempre recebeu cuidado. Como trabalhar o emocional e o físico sabendo que este cuidar será de 24horas ou mais ainda? Existe a possibilidade de dividir a tarefa de cuidar com outra pessoa? Ele precisa se cercar da maior quantidade de informações e orientações possível, e isto pode ser conseguido através da participação em grupos de apoio, presencial ou virtual.
Uma rede de solidariedade precisa ser construída para que este cuidador fique tranquilo em caso de necessidade e aí entram: parentes, amigos, comunidade, serviços privados e públicos – enfim tudo que possa trazer segurança para o paciente e para ele. São muitos outros desafios a serem vencidos, além destes, mas acredito que buscando informações, conhecendo mais sobre a doença, sabendo onde buscar apoio e ciente de que existe uma rede que pode ajudá-lo, este cuidador informal já venceu grande parte deles.
Cuidador formal: profissional contratado pela família para cuidar de membro da família afetado pela doença de Alzheimer, que infelizmente não tem ainda a profissão regulamentada. Tem como maior desafio o reconhecimento de sua função, essencial e primordial para algumas famílias. Poucos cursos confiáveis são oferecidos para a formação de cuidadores e por muitas vezes as funções junto ao paciente são confundidas com as funções especificas do cuidar de uma casa, o serviço doméstico propriamente dito.
Quando o cuidador formal atende o idoso independente ou não, em sua casa, tem outros desafios a serem vencidos como, por exemplo, como e a quem atender quando vários membros da familiar querem determinar o que desse ver feito com o idoso/paciente, ou quando existem outros funcionários na casa e todos querem ser “os donos do paciente”. Como a família e o cuidador formal podem se estruturar para manter uma harmonia nas ações para que o paciente tenha o melhor atendimento possível? Existem recursos legais, administrativos ou operacionais que podem ser adotados e dessa forma, uma parte dos desafios enfrentados pelo cuidador formal já será sanada.
Como a tecnologia pode auxiliar cuidadores e pacientes?
Atualmente existem vários recursos que podem auxiliar o cuidador, informal ou formal, no trato com o paciente, desde controle da medicação, exercícios físicos e exercícios de estimulação cognitiva. Muitos deles, gratuitos e de fácil acesso virtual. Entretanto esses recursos, quando adotados, devem ser de uma maneira bem orientada pelos profissionais que atendem o paciente. Às vezes, pensamos estar fazendo um bem enorme e na verdade, estamos comprometendo o paciente no seu todo: físico, emocional e intelectual.
Mas será que esta tecnologia está disponível para todos os cuidadores e pacientes? Infelizmente ainda não. Cuidadores familiares, por vezes, têm dificuldade em buscar recurso adequado e saber como orientar o paciente. Não podemos esquecer da imensidão de nosso país, onde recursos tecnológicos são facilmente encontrados nas principais cidades, e nas demais?
Acredito sim que a tecnologia pode ajudar em muito não só para incentivar o desenvolvimento do paciente como para criar um vínculo de amizade e respeito entre o cuidador familiar e/ou cuidador informal. Porém será necessário que o custo destes recursos seja mais condizente com as condições financeiras da população brasileira assim como o acesso a eles mais consistente.
Que políticas públicas seriam necessárias para evitar a sobrecarga desses cuidadores e também dar um melhor atendimento aos pacientes?
Em 2002 quando foi assinada a portaria 703 que instituiu no SUS o Programa de Assistência às Pessoas com Doença de Alzheimer, preconizou que além dos medicamentos utilizados no tratamento, os pacientes e os cuidadores receberiam não só o acompanhamento médico como também o psicológico e “o que mais for necessário à adequada atenção aos pacientes portadores da Doença de Alzheimer”.
Perto de completar 20 anos da assinatura da portaria, o que temos hoje? As portarias 702 e 703 estabeleceram que o diagnóstico e tratamento da doença devem ser feitos por médicos especialistas em geriatria ou neurologia ou psiquiatria mas sabemos que infelizmente não temos estas especialidades com certa frequência na rede pública, e o paciente para receber este atendimento, precisa ser encaminhado da atenção primária para a especializada e isto tem demorado muito, ocasionando diagnóstico tardio e consequente diminuindo a oportunidade de um tratamento mais eficaz na fase leve da doença.
Politicas públicas para pessoas com demência ou doença de Alzheimer praticamente inexistem; temos sim algumas iniciativas de UBSs que desenvolvem trabalho direcionado ao paciente e ao cuidador de uma forma bastante integrada e constante, mas não em todas as unidades. Se falarmos no Brasil como um todo, verificamos que estamos a anos luz de trazer tratamento adequado à pessoa com doença de Alzheimer.
Como é a situação em outros países?
Inúmeros países no mundo todo já desenvolveram seus Planos Nacionais de Demência sendo que na América Latina: Chile, Costa Rica, Cuba, México e Porto Rico já têm seus planos. E o Brasil? Continuaremos a ter a doença mal diagnosticada, lutando contra o estigma e preconceito, a falta de informações, demora no atendimento e outras tantas dificuldades. Muito em breve, daqui uns 10, 15 anos, o Brasil será a sexta potência do mundo em número de idosos e sabemos que a doença de Alzheimer, mesmo não sendo uma doença característica da idade, afeta pessoas idosas, então o que o futuro nos reserva? Eu, você, nós podemos desenvolver a doença de Alzheimer e que atendimento teremos?